Dec 26, 2007

memória selectiva

Em Amsterdão, há 25 anos, tive um amante-de-uma-noite. Mais precisamente de uma noite e um dia… Enfim. Calhou que nesta noite ele estava de turno para o aquecimento da casa. A casa era um prédio de quatro ou cinco andares, onde vivia com muitos outros em comunidade. (No século passado estas coisas ainda aconteciam) O aquecimento era uma enorme caldeira adaptada para funcionar com madeiras recicladas, cuja fornalha precisava de combustÌvel com regularidade.
Assim foi que, à meio da nossa única noite, segui o meu amante à cave, cheia até ao tecto de tamancos mal-paridos, resultados dum erro numa fábrica dos arredores. Vezes e mais vezes enchi um carrinho de mão com as grossas solas de madeira, que ele depois vertia para as chamas.
Fazia na cave um calor luxuoso – a semana tinha sido gelada - o lume deitava laranjas movediços sobre o monte de tamancos, dávamo-nos bem a trabalhar. Os gestos encaixavam, o esforço era prazer. Não me recordo do nome dele, nem da cara. Nem de como fomos amantes. Ele nem sequer se deve lembrar de mim. Para ele, fogueira de tamancos era todos os dias.

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