Jun 30, 2011

Jun 29, 2011

Na primeira memória é uma faca de cozinha, 4 dedos de lámina gasta, meia-solta, num cabo ressequido. Uma etiqueta ainda a marca como prova num processo esquecido. Lembra-se de ter pegado nela, pensando um segundo se a levava ou não. Neste tribunal desactivado, quem iria dar pela falta dela?
Entra a segunda memória, a verdadeira : não era faca, era chave de fendas, fininha. Para que a quissesse levar, nesta altura, só podia ser ferramenta. E não levou, por uma espécie de nojo da imaginação. Teria morto alguém, a chave? Entrado entre costelas omoplatas clavículas? Encontrado o parafuso proibido que sustem o edifício?

Isto tudo porque ao acordar havia uma pergunta: Ter na palma da mão uma bala que foi parada por carne viva, o que faz à pessoa cuja mão isto é?

elle aime bien bavarder au réveil

Jun 28, 2011

lentement

partout la poussière sur les choses
évidemment puisque je ne l'enlève pas
(ou si peu là où je touche)
se solidifie sucre oublié
cristal collant ne me quitte plus

Jun 26, 2011

Jun 25, 2011

Jun 24, 2011

le noeud d'herbe

des bouquets de l'épicier.

Jun 22, 2011

há figos que sabem à figo e não é preciso mais nada.
a boca se enche como um olho como um oio
depois há o figo que sabe à figueira à toda a figueira
o rugoso o áspero cheiro

Jun 21, 2011

premier matin du monde (quebra-enguiço velho)

après au café une matrone dont tout aurait pesé lourd et sans charme si ses sourcils dessinés avec une sûre exubérance n'avaient chanté une toute autre chanson.

Jun 19, 2011

Ela, nasce e cresce nos trópicos. Aos trinta, vai trabalhar para o norte da europa. Arranja um quarto numa caserna transformada em alojamentos baratos, longe do centro. Está frio e triste. O quarto. Alguém, um colega, diz: alí atrás há um bosque. Passear nele faz bem. No domingo a seguir, ela vai.  Precisava, diz ela. Mas o bosque, ela diz, ainda chocada, o bosque era de uma árvore só. Ela não sabe o nome mas podemos pensar faia. Faia ou bétula. Um bosque de uma árvore só. Como uma multidão que fosse só de Mários, todos entroncados com as mesmas pernas tortas a sair do calção florido. Ou de Lauras, trança a voar, sempre atrasadas, pobres Lauras.

(no) measures of absence


Jun 18, 2011

como é que nesta cozinha onde vivo há anos de repente nem sei encontrar os fósforos ?

Jun 16, 2011

depois de HOJE É SEMPRE ONTEM

apanhei o último metrô daqui agora.
devolvi as chaves a quem me deu tecto.
e é assim.

Jun 15, 2011


O barulho da chuva no telhado de vidro do Real Gabinete Português de Leitura, bom durante as pesquisas, pior na hora de fechar, quando os funcionários estendem infinitas cobertas de plástico sobre o velho balcão maciço que já ninguém usa, sobre as mesinhas estreitas e pouco cómodas, e que a gente tem de sair. Pela porta aberta vê-se a rua molhada, o trânsito irritadiço das metropoles ao fim do dia.


A rua é rua de sebos. O primeiro me dá guarrida. Deus! Uma estante inteira de dicionários! O Font-Quer das minhas cobiças, mas numa edição porca dos anos oitenta, as suas tão precisas gravuras borradas.


Me ajoelho para as estantes rasteiras. Mais um dicionário de Botánica? Editado em Lisboa pelas Tertúlias Edípicas? Edípicas? Que têm por simbolo a esfinge, a egípcia? Abro, claro, e... quase um ano de trabalho se desmorona. Caquinhos no chão, e lá fora a chuva.
Enfim, ganhei uma esfinge, hão-de se abrir outros caminhos...

a paciência das folhas


Jun 13, 2011

Dia dos namorados na Ataúlfo de Paiva

Desparaísado ainda não quer dizer infernizado. Até há um bom caminho de um para outro, e se cruza lá de tudo, meio-mundo. Um rapaz bem acompanhado, por exemplo, baloiçando uma cesta de gerberas, na nuca uma tatuagem : LOVED.

Jun 12, 2011

chez soi

home is wherever you know where to find the light switch when you get there in the wee hours.

Jun 11, 2011

O amor da morena maldita do Largo do Estácio

"Se alguém quer matar-me de amor
que me mate no Estácio..."
canta Luiz Melodia.
Ontem fui. Ao Estácio. Nunca se sabe.
À caminho,
passei pelas ruinas do Sambodromo
 e aprendi que o Rio até se parece com Shanghai.

No Estácio, não havia amor. Comprei paçoca que comi no metrô.

Jun 10, 2011

on this black and white day
a lady with a spoon in her rear pocket taught me
that you can eat
everything birds eat
but that some of what monkeys eat can kill you.
(this could come handy in a hungry forest)
later I found a dagger in the heart of a tree
a tiny sinowy tree and
a very sharp dagger.
I thought of the knife-thrower's assistant.


later still, night brought color, dark

Jun 7, 2011

414


hier mon premier 

























"La fleur que j’aime? – La sienne- et après, toutes." MP
"What is your favorite flower? - 
Two lips in the dark. "  Dzvinia Orlowsky 
"Que pode uma boca esperar senão outra boca?  Eugénio de Andrade

Jun 2, 2011

labyrinthe de passion distraite


Comment veux-tu que je ne me perde pas, si à côté de ce que je cherche, se trouve ce que je ne cherche pas...

par exemple dans le bulletin de Muséum d'Histoire Naturelle tome XX 1914
État cataleptique chez un jeune crocodilus niloticus Linné

par Mme Phisalix
Un jeune Crocodile (mâle, du poids de 600 grammes, et mesurant 53 centimètres) provenant de l'Oubanghi, entré à la Ménagerie des reptiles du Muséum le 20 mars 1912, et resté normal jusqu'aux premiers jours de janvier 1914, a présenté à ce moment des troubles nerveux, accompagnés de perte de connaissance, qui ont pu momentanément faire croire à la mort subite du sujet.
Les excitations les plus faibles : un mouvement, un bruit léger, un souffle, le geste seul de saisir l'animal suffisaient et réussissaient toujours à provoquer une crise, alors que rien de semblable ne se produisait avec les quatre autres crocodiles de même taille habitant la même cage.
Caractères de la crise : celle-ci se déroule en trois phases, se succédant toujours dans le même ordre:
1º au début, le sujet répond à chaque excitation par un petit cri bref, et un brusque mouvement latéral de la tête, bouche ouverte tournée vers l'observateur. Il semble figé dans cette attitude, mais on peut déterminer la fermeture de la bouche en frôlant, au moyen d'un pinceau, soit le bord des lèvres soit le fond du gosier. En même temps se produisent de petites secousses cloniques de la tête, la paupière supérieure clignote, et la membrane nyctante se rabat sur le globe de l'oeil.
cette phase dure de 45 à 60 secondes
2º Une phase tonique lui succède, où l'animal se raidit un peu; s'il repose sur la face ventrale, la région moyenne du corps se soulève en arc, le menton et la queue reposant sur le sol, le membres étant en demi-extension. L'animal mis sur le dos conserve son attitude en arc et ne touche plus le sol que par une petite surface. (...)
cette phase cataleptique dure de 2 à 5 minutes, mais on peut la prolonger en répétant l'excitation initiale, qui n'a d'ailleurs pas d'autre effet. etc.

Charcot dans l'étang des herpétologues.

Ou alors
toujours on peut cliquer
dans La vie des insectes, de JH Fabre, enthomologiste en famille, l'illustration de ses  excavations à la recherche des nids de minotaure tychée... Dans le trou son fils Paul, "qui lui prête la souplesse de ses reins" à droite sa femme, dont "les yeux ne sont pas de trop" et sous l'époustouflant chapeau à antennes cabbalistiques, malheur, je ne sais pas. Sa fille Paquerette.
albert eckhout, c.1640
(The Chinese say you can recognize spirit-inhabited trees by tickling them. If the tree giggles-wiggles its branches and leaves, as in an unseen breeze, then well, somebody lives there. I don't know how the Amazonian natives feel and if the dancing around the tree from last post is a form of expression or the execution of an order. As a child, I remember, legendary trees were always measured by how many men it took to embrace them. 25 men for that baobab. Come to think of it there was a redwood in my first love's garden, but I only knew of it much much later)

where my body where my brain

"my" table at the library of the Jardim Botânico do Rio de Janeiro


And then, when you read about what these trees 
were (and are) felled for, it's concrete-casing or fence-posts. 

Martius, viagem no Brasil

ontem sonhei com uma floresta onde os intervalos entre troncos tinham sentido, tinham leitura.
passear era perceber.


Jun 1, 2011

jardim botánico

as imensas corolas de aristolochia gigantea caem moles no chão como os panos sujos dum bordel vegetal (passa um bando de freiras)
entrando na lanchonete debaixo das árvores  faço o sucesso da minha vida: uma turma inteira de adolescentes bonitões sentados num banco corrido vira a cabeça para me ver passar. Não todos ao mesmo tempo, mas um depois do outro,  nuca rapada vira perfil curioso, parece coreografia, parece music-hall. O que admiram são as minhas calças de palhaço.
 Cinco americanas grávidas acompanhadas por 5 crianças quase bébés falam dos empregos dos maridos, enquanto 8 moscas-vespas de ar perigoso cruzam em volta da minha água.
O gato da casa, normal-as-riscas apesar da morada exótica instala-se no meu colo com hábito milenário. E agora que faço? Cheira absurdamente ao café grego da Lilli.