May 19, 2013

os vivos e os mortos

Manhã de sábado, metro apinhado de gentalha de capas pretas, hasteando indumentária máxima, e soldados em uniforme de gala. Fico em pé, quase que colada a uma indiana de sari rosa, entre nós a filhota dela, que nós chega a cintura. Fazemos força as duas contra a pressão exterior para deixar respirar a criança. Neste exacto momento, a miúda perde o primeiro dentinho de leite. Apanha-o na mão, mostra-o a mãe, toda orgulho. Um empurrão, o dente cai no chão, entre os corpos, entre os pés, noutro patamar invisível. A pequena mergulha, desaparece, volta a aparecer, o pequeno incisivo na mão. O sorriso esburacado. A mãe arruma o dentinho na mala. Fico a saber que os indianos também têm fada do dente.

Domingo no jornal a explicação desta invasão conservativa da carruagem : o arcebispo andou a benzer pastas na Praça do Comércio. Parece que faz isto todos os anos. Não sei o que benze aos soldados, talvez o coldre.
Numa das fotografias vê-se ele mais três acólitos em cima de um palco, as pesadas vestes bordadas de ouro levantadas por um vento agreste. Barroco ao vivo, em todas as suas cores, nenhuma delas me dá alegria.

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