Acontece não termos
consciência do que nós é dado, mas é raro não sabermos
o que dámos.
Há uns anos que desenha
gente, desconhecidos sobretudo. (Os conhecidos têm tendência a
gostar da ideia, mas menos do resultado.) Corpos, atitudes, rostos.
Rostos que nunca mais acabam. Horas nisso. Uma vez, com outros como
ela, passa uns dias num convento sem monges, reconvertido por pessoas
de várias profissões numa espécie de albergo. Lá, são cinco a
cuidar de tudo, e da comida. Oferecem muito mais do seria necessário,
esmeram-se em legumes complicados, pratos dispendiosos em tempo e cuidado. Na
última noite alguém propõe que se lhes faça o retrato, um
agradecimento. Na grande folha de papel que serve para todos, ela
acaba por desenhar o rosto de Concheta do sorriso tranquilo. Está
nervosa, é importante que resulte bem. E, dentro do possível,
resulta.
Mas há um inesperado. Os
cinco retratados ficam felizes. Felizes felizes. Da cozinha trazem zibibo (o moscatel lá do sítio), biscoitos de sésamo
para molhar nele, grappa, licor de funcho, ossinhos de morto que são
bolachas duríssimas com um chapéu de suspiro... Tudo o que se pode
partilhar num fim de jantar aparece. Alguém retruca com vinho do
porto. Dos cinco retratos feitos numa hora nasce uma festa.
Assim. Feitos tesouro.
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