..." ele a rir mais, para o lado, a esconder os dentes, o riso dele agudo e grave ao mesmo tempo - "Oh! Que loucura. Assim vai haver dias em que vamos ficar mudos..." Limpava o gargalo amarelo da garrafa para entreter as mãos. "Está combinado, não se fala de dor." Ele acendeu um cigarro. Deitou-o fora.
Naquele momento, o bar podia levantar-se sobre as próprias canas, deslocar-se durante um quarto de hora e voltar ao mesmo lugar com eles lá dentro. Pousar devagar. As aves podiam partir levando no bico a ponta das ondas. O mar poderia ser erguido no ar pelo impulso das aves. Com o fundo do Oceano aberto, gente que estivesse exilada num outro mundo, à espera, poderia vir acolher-se aqui, para fundar uma colónia nova. Gente que se recusasse a falar da dor, isto é, do mal. Isto é, que fosse inocente não por inocência, mas por discernimento. Isto seria possível? "Vamos ver. Nunca falar da dor. Ah! Ah! Como irá ser isso, vamos ver..." - disse ele, divertido, baixando-se para sair pela porta do bar. Fazendo-se leve para não quebrar aquele desenho de tábua erguida na areia da Ria. Levando-a depois, pelo braço, ao longo da ponte de madeira, durante a qual ele teria tido mil oportunidades de a beijar. Mas não, ela pensava que ele guardava os beijos para a Divina. Ele só a puxava, trazia-a contra ele, afastava-a, fazia-a dançar na saia curta, sobre o tapete de tábuas. Ele próprio, desengonçado, bom dançarino. Usava sapatos de ténis brancos, de sola alta, como patins, e dançava em cima das tábuas. Só dançava."
May 3, 2011
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