Jan 4, 2008

MAIS VALE SÓ?

Depois de muito hesitar ( e se fosse emborar? se isto tudo não servisse para nada? se usasse o dinheiro em coisas mais importantes? ) Emilia ligou ao Senhorio da Voz Servil e depois ao Homem do Orçamento. O primeiro disse-lhe que estava tudo bem, que podia começar com as obras quando quissesse, o que ela repetiu ao segundo. Combinaram para terça feira, porque segunda é mau dia para quem trabalha independente, disse O do Orçamento. E para Emilia, tanto faz terça como segunda.
Só que à noite, na cozinha, as tampas das panelas não queriam parar de cair. E Emilia foi obrigada a lembrar-se do seu fantasma. Vive nos quartos das traseiras, é pacato e afável, não se manifesta muito. Excusa-se dizer que Emilia nunca o viu. Emilia não é daquelas pessoas que vê fantasmas. Esquece-se dele meses a fio. O fantasma é apenas uma espécie de presença, alguém que está sem estar, e sempre lhe pareceu muito bem disposto para com ela. Emilia até gosta do fantasma.
Mas as obras vão arrancar. E se ela tem arranjado para si outro sítio para passar os dez dias da confusão, não seria o mínimo da boa educação avisar o fantasma do transtorno? Oferecer-lhe para poiso provisório aquele que Emilia chama o quarto dos porcos, aquela coisa sem janelas que serve para arrumação de tudo, mas mesmo tudo? Está atafulhado. Quanto espaço precisa um fantasma para se sentir a vontade?
Talvez ele até goste de ter a casa cheia de homens durante uns dias, sempre é uma distração...
Bem, fogo de vista, desconversa...
Verdade verdade, é que Emilia, escolhendo as palavras com cuidado, pôs o seu fantasma a par da situação. Em voz alta no apartamento deserto. Sem rir. Não caiu mais nenhum tampo de panela, mas isto não quer dizer nada: aquela ventania danada dos últimos dias também já não se enfia pela chaminé abaixo.

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