Hoje arrancam a parede.
Mas agora ainda está de pé, e Emilia olha para ela, o lápis na mão.
Quer escrever nela um voto de vida nova – tipo fita do bomfim, versão rápida : daqui há umas horas a parede está no chão e o voto obrigado a realizar-se – e quer usar uma lingua que em tempos tentou aprender, a de um povo especialista no afastar e atrair os mais diminutos espiritos das coisas.
Só que de repente lembra-se : há anos, num quarto da casa da mãe, colocou um parquete antigo, faia e algo mais escuro, talvez mogno, em espinha de peixe, recuperado pelo padrasta num hotel da vizinhança que ia para a sucata. O hotel todo, sim. Era (e ainda é) o trabalho manual mais complicado e mais bonito que alguma vez fizera até ao fim. Estava orgulhosa. Debaixo do último taco de madeira colocou um destes votos, naquela mesma lingua. (Na altura era mais fácil, ainda estudava.) Felicidade, dizia o papel. Ou felicidades, nesta lingua não há diferença entre singular e plural.
Poucos anos depois, naquele quarto, a mãe morria.
Emilia deixa de fora a lingua desejada, a lingua rica e retorcida, a lingua nunca dominada, para sempre estrangeira, e escreve as cinco palavras do seu voto na lingua da mãe.
Depois sai trabalhar.
Jan 9, 2008
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