Mar 14, 2012

o apeadeiro da coruja

No metro cidade universitária, por entre o vôo de estudantes que invade a carruagem, vêm juntos. Entre os dois, carreguam 5 kilos de código cívil.  Ele sente-se ao meu lado, ela a minha frente, franzina, esguia, e grávida de quase pronto. O rosto dela chega de muito longe, atravessa séculos, raça de reis. Olhos, lábios, altas bochechas e têmporas antigas, tudo grande demais, num equilíbrio raro ao qual apetece obedecer, beleza núbia, faraoa negra.  Hierática.
Ele, sofredor, com a cara enfiada nas mãos. Ela, preocupada com ele. Pergunta com os olhos, que tens? Ele evita responder. Ela procura na mochila, tira algo que esconde na mão, leva-o à boca, morde metade. Sorri. Estende a mão fechada ao amigo, será o pai da criança? numa oferta silenciosa. Ele sacode a cabeça, não quer. Ela insiste, sempre em silêncio, entreabre a mão, os olhos falam, vê o que tenho para ti. Entre os dedos, o verde ácido duma destas pastilhas enormes em feitio de melância, delícia de criança pequena. Ele continua a recusar, tanta intimidade pública. Ela de mão estendida, meiga, eterna. Ele aceita. Mas cabisbaixo, não é com ele.
Já passaram duas estações quando finalmente põe furtivo o rebuçado na boca.

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