Feb 6, 2008

The intimacy of strangers (2)

Mouraria. Feriado de Carnaval.
A rapariga rosa e morena, a embalar a bébé rosa e morena contra o peito rosa, está de nariz colado à montra do tatuador. Fascinada, não desvia as atenções de dentro da pequena loja.
Nada atrai como atracção, aproximo-me. Eis-nos as duas a olhar para as espadaúdas costas nuas dum rapaz, dobrado para a frente numa especie de maca, no deleitável sofrimento da tatuagem. Tem a cabeça virada para a esquerda, só se lhe vê um olho, fechado, longas pestanas debaixo da linha perfeita da sobrancelha. A pálpebra estremece.
Vejo o que viu quem o amou.
O tatuador, daqui apenas um remoinho ordenado de cabelos brancos e a mão segura com a pistola, acaba de o marcar na nuca dum nome ao qual já só falta a letra final, a que divide o masculino do feminino.
De repente percebo. Viro-me para a rapariga rosa, cada vez mais rosa – É o seu amigo ?
Ela, rosa, e orgulhosa. - É o meu marido. É o nome da filha.
Não : a minha filha, ou : a nossa filha. A filha.
Olho para a bébé. Está a dormir, longas pestanas sobre a linha perfeita da bochecha.
Nicole.
A filha do seu pai.
Pertencer. Possuir.
Aos 5, aos 13, aos 20… Nicole.

Já longe imagino-os com nove filhos, o nome do nono a ondular nos sopés do rabo paterno, e a rapariga rosa a dizer este é o último, já não cabe nenhum.

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