Feb 7, 2014

A  senhora à minha frente na fila da caixa debruça-se sobre o meu pão-de-ló com um ar tão desconfiado que tenho de perguntar. Ela, peremptória: este não tem ló.  Eu: Ah sim? Mas como faz para ver, gostava de aprender. Silêncio. Cinco vezes eu pergunto, quatro vezes ela encolhe os ombros como quem sabe um segredo difícil de partilhar. Depois: é a crosta, veja aqui, tem de estalar um pouco, o ló vê-se pela fresta. Se não estala, está cozido demais, e não tem ló.
Ló? Ok, o creme, o recheio, aquela coisa que faz o pão-de-ló ser o que é. Não consigo largar a senhora. Disse que sabia como é que se faz, pode explicar? Posso. Então diga. Nem pestaneja: 24 gemas 6 ovos 800 gramas de açucar 6 punhados de farinha.
Faz muitos? Fazia. Aprendi com a avó do meu marido. Agora tem a receita mas falta o segredo.
Raios.
Já pagamos as nossas compras, não temos mais desculpa para ficar ali na palheta... Mas agora é a senhora que quer contar. Duas mulheres são precisas, uma só cansa-se. Em volta do alguidar grande, a colher de pau dá meia-volta na mão de uma, outra meia-volta na mão da outra. Tem de se bater pelo menos 1 hora. (Hoje em dia, com batedeira boa, 20 minutos chegam.) Sempre no mesmo sentido, hein! Sempre no mesmo sentido. Depois quando o açucar está em ponto de fita (Sabe o que é o ponto de fita? Não sabe? Quando atirado para a parede do alguidar, o açucar cai em fitinhas) depois é a farinha, polvilhada. Quem punha a farinha era a avó do meu marido.
Olhos a brilhar, o prazer a memória os tempos idos. O marido já morreu e a avó dele nem se fala. De repente uma sombra: não posso ensinar tudo. Nunca consegui tirá-los do tacho. São precisas duas tábuas, rapidinho, vira-se o tacho para uma, depois de imediato para a outra. Os meus sempre se partiram.
Não sei ensinar esta parte.

Mas o resto, sim.
Obrigada.

2 comments:

  1. Imagino-a um dia a acabar o pão de ló (novo acordo ortho sem - ?) e a vira-lo como de costuma, à espera de ver o trabalho de 1h a bater massa partir e, milagre, o pão estar ali inteiro perante o seu olhar incrédulo. Alegria.

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