Mar 30, 2009

o prazer fútil de matar

Ontem dois homens foram julgados no Porto. Tinham morto um amigo para lhe roubar dinheiro, e violado a companheira dele. Um deles foi absolvido, por ser inimputável, o outro condenado a 15 anos de prisão efectiva por roubo agravado por morte, sendo absolvido da acusação de homicídio "por não ter ficado provado que tenha agido com intenção de matar ou pelo prazer fútil de matar" lê-se no acordão, diz o artigo.

A futilidade como pecado último. (A frase soa mais a pecado que a crime.) Se o prazer tivesse provado fútil, o homem teria levado com quê? Prisão perpétua?

A presença do adjectivo me incomoda. Significará que há outro prazer de matar, um que não é fútil? Um que é aceitável?

Lembro-me do merceeiro da minha rua, um dia, a comentar uma caçada:
"sou como toda a gente, gosto de matar". Deixei de fazer compras na loja dele. Espalmar mosquitos é a única modalidade de matar a qual consigo associar a ideia de prazer.

Ou será simplesmente a junção das duas palavras que me cria uma espécie de embaraço moral? Matar e fútil. Não cola. Só a ideia mete nojo. Consigo imaginar um prazer de matar, uma inundação de poder, uma embriaguez de violência, mas fútil? Mesmo um sádico não é fútil.

"Não agiu pelo prazer de matar" teria chegado para explicar a motivação do magistrado.
Aquele "fútil" é uma janela no homem, neste homem em particular (nesta mulher?) por onde vejo tal proximidade com o assassinio que peço por favor que os acasos da vida me protegem dalguma vez ser julgada por pessoa que escolhe tais palavras.

Mar 28, 2009

there sometimes is a beauty of the worthless.
there is no such thing as a worthless beauty.
so?

Mar 27, 2009

Super-power, at least

Spring is all over the place. Walking home at dusk, almost at her doorstep, Emilia sneezes her scatterbrain sneeze; and all the street lamps go ablaze.
Some welcome.

Mar 26, 2009

piquenique

Naquela tarde, nas Ilhas, o que é que se comeu?
Melãncia, isto sim. E que mais?
Quem se lembra?

Mar 25, 2009

Treasure-trove, green line

Entering the subway at rush-hour, a surprise: today is one of the very rare and precious days when every face is a miracle, every curve of the lip a mystery, every lid something I'd like to stop and watch, like you watch things happening.
Soleil voilé. Ça tonne au loin, le premier orage de l'année. Les deux orangers de la cour fleurissent comme jamais. Leur parfum a fini par chasser les effluves du poisson de midi que l'ébéniste du rez-de-chaussée grille dans son atelier. Merci

Mar 23, 2009

valeurs sûres

Défiant cet ãge sinistre où tout se rétrécit,
le popotin de l'hippopotame, lui, grandit.

Mar 21, 2009

family ties

In each of zeroglotte's languages, there is a word for somebody who loses her parents: orphan, orpheline, orfã, Waise. And there is for one what you become if you lose your spouse: widower, veuf, viuvo, Witwer.
But if your child dies, there is no word for that.
Of course you have only one set of parents, and, at least traditionally, only one spouse, while you used to have a whole bunch of children and it was expected that not all of them would grow into adults.
With so many neologisms of all kinds, nobody wants to invent that word. Keep harm out of the way. Nobody needs it.

Mar 20, 2009

Flora sino-tuga

Com mímicas e palavras, tento explicar a fruteira chinesa o que é um espargo. Ela não vê. Insisto, uma cliente mete-se na conversa. Nada. De repente, a sua cara ilumina-se. " Sim! Fininho! Parecido bambu!".
Isto! Era só encontrar a imagem certa.

Aparte: Assim em geral, os donos das lojas chinesas, de 300 e supermercados alimentares, não falam português. Os que compram e vendem legumes e fruta, coisas que os obrigam a negociar com gente de cá, obviamente, falam.

walking to the movies

On the sidewalk by the ruined brewery, a colt-legged teenager and two giggly girls, tied by a shared ipod, play make-do soccer with an inflated condom.

Mar 19, 2009

Ilhas Assolapadas 8

Outra vez o mesmo problema: Emília, ou Antónia. Uma alma protegida pelas suas sobrancelhas. Tem as sobrancelhas mais ferozes da Península Ibérica e a alma mais acolhedora. Na adolescência, sofrendo da pouca popularidade que o seu ar eternamente carrancudo lhe infligia, resolveu ir a estéticista, depilar o assunto até uma linha mais amigável. Aliás fomos todas. Ela saiu dali bela que nem uma princesa asiática (as das sobrancelhas curvadas como antenas de insecto) e...foi um desastre. Desatou sem querer a partir corações as dúzias, passava numa aflição dum namorado ao outro na ânsia de não deixar ninguém abandonado. Um desastre. Mesmo. Quando o pelo voltou a crescer, foi um alívio.

Ilhas Assolapadas 6 e 7

Difícil. Antónia? Emília? Certo é que tem uma irmã mais nova, a Suzana, que não pára quieta. Suzana, claro.

Mar 18, 2009

Ilhas Assolapadas 5


Eduardo. Caraças. Eduardo antes de adormecer. Antes de começar a esquecer-se das coisas.

Why do I never stop hoping for late-night messages?

Or bright-light messages, for that matter.

Ilhas Assolapadas 4

E esta é a Mariana. É tão tímida, tão tímida, tão tímida, que acaba por ser quase sempre ela à dizer as coisas que ninguém tem coragem para dizer. Claro que precisa de alguma ajuda, e a gente costuma dizer que há duas Marianas. A que chega, e a que vai embora.


O que se passa pelo meio é que interessa. Há anos que Filipe repete que não tem paciência, que já não sabe o que está a fazer com ela. Mas a gente sabe.

Ilhas Assolapadas 3

Agora o Filipe. Um retrato velho, ainda ninguém sabia do piquenique, nem das suas causas. A Mariana acha que foi tirado antes deles se encontrarem, não se lembra dele com tanto cabelo :). Filipe só sabe que comprou aquele pullover nos Pirineus, e que foi lá com ela. Portanto...

Mar 17, 2009

Ilhas Assolapadas 2

E este é o Bernardo, tinha a Antónia acabado de o convidar para o pique-nique. Desatou a cantar uma rockalhada de que nem se lembrava que sabia de cor. Coisas de praia. Depois foi à Net procurar receitas de petiscos que fosse de certeza o único a levar.

Ilhas Assolapadas - 1

A sair penosamente dos pântanos infectos, resolvi acostar às Assolapadas pela porta do cavalo. Um retrato do Nuno duas semanas antes do pique-nique, quando soube que não tinha conseguido o emprego. Dez minutos depois ligou a Antónia a dizer que ela, sim, tinha sido escolhida, e ele ficou contente para ela.

Mar 15, 2009

mais gripo-filosófia fundamental

A gripe reduziu-me os sentidos ao básico (não confundir com o essencial) de tal forma que agora não mo posso esconder mais: esta vida de intelectualismo emancipado desafreado foi só loucura de juventude. Ao fim e ao cabo sou mulher-bicho, daquelas que se passeiam no paleolítico, e nos textos da Igreja: um animal sensual e pouco mais. Pensar para quê? O cérebro serve mas é para descodificar toque olfacto sabor ouvido.
Viver sem mata-me. Enquanto viver sem pensar, uma gaja nem se dá conta, né? Não pensa.

Mar 14, 2009

Mal por bem, trem, trem, trem.

A única vantagem desta constipação é que o meu corpo, todo mobilizado em eradicá-la, esqueceu-se por completo do esquema de castigo pela vida computerizada que teima em levar a cabo no meu ombro. Há dez dias, a dor começou a mingar, agora já não me doí nada. Nada. Havia anos.
(Há outra vantagem, mas não sei se posso dizer. Bom, vá, digo: Há ventos que sopram prédios abaixo, vagas que os levam, terramotos que fazem ruir etc etc. Eu, hoje em dia, por mero poder bronquial, tusso casas abaixo. E não qualquer uma. A sede da Caixa Geral de Depósitos. Sim. Se não caiu, foi por pouco. Tossindo descontroladamente, tive que fugir do pequeno auditório ao meio do filme. Tudo tremia no clamor dos meus bramidos. Afastei-me por corredores sem fim, sentia literalmente as camaras de vigilência virar-se para mim uma a seguir a outra, a perfurar os meus já esfarrapados pulmões. Por fim cheguei a uma casa de banho metálica onde consegui afoguar o ruidoso bicho debaixo da torneira. A casa acalmou. Repito, foi por pouco que não ruiu. Já se viam rachas nas paredes.
Depois, fiquei a saber que neste meio, as notícias correm velozes: O lobo mau já me propus emprego, mais dois ou três assaltadores cobardes. Pagam bem, o que hoje em dia não é de desprezar. Enfim, pagar... com esta gentinha, é mais participar nos lucros, se os houver.
Vou pensar.
Mas acho que o trabalho dos meus pulmões não está a venda.)

Mar 10, 2009

Mon rhume m'a offert un rêve étrange.

Dans le métro (celui de Berlin, tiens!) un jeune homme parle à sa mère en chuintant doucement, dans un baragouin presque animal et très tendre. Cela me paraît "inversé" (c'est elle qui devrait lui parler ainsi), car elle a une petite trompe évasée à la place du nez qui l'oblige à renverser la tête pour pouvoir respirer, les yeux au plafond.
Assise en face d'elle à cõté du fils, je vois à l'intérieur de cette trompe, joli tube charnu et humide comme une espèce de chanterelle qui serait faite de la chair d'un hippopotame nouveau-né. Les photos proviennent du bal des cinéastes amateurs, à l'hôtel Moreau de la Chaux-de-Fonds, en Suisse, en 1939.

Mar 9, 2009

back to bigode

I woke with the voice of somebody else. A man's voice, deep and rough, a lovely baritone (or so i think). Lovely, because, to my eternal despair, I usually express myself in a squeaky girlish tone that only has one good side: if I really have to make myself heard in a crowd, everybody turns around. In dismay at the high squeal, but they turn, and listen. I use it as little as possible.
So now this voice comes out of me, the next best thing to surgical sex change, cheap. Not that I ever wanted one, but it's so so terribly self-sexy that I have been reading aloud most of the afternoon. Reverberating, vibrating, wow.
(Dylan Thomas. The rhythm of him. And since even without the fever i only understand half of it, it's just pure pleasure.)

This is what's left of the hospital where I got acquainted to real fever. Not-a-spot-of-quiet fever, everything moving, changing, transforming, patterns and colors being born from each other. After 3 weeks, the fever receded, but the walls wouldn't keep quiet. I felt separated from the world. I remember beginning to wonder: would the cello-tape around me ever go away? Would things keep their places again?
I walked out of my room in my nightgown, very slowly. Nobody tried to stop me. Then out of the door, to the nearby forest. I crawled under a small fir, amongst the needles, the low branches making a child's hut. I stayed there for what seemed the longest time, breathing the resin smell, hidden to everybody, trying to understand if reality would ever touch me again.
I was 13 then, and now the ivy has invaded the staircase to the lab.
Later: Not 13, no. 14 at least. This was after the Creta Holidays, and I already had the motorbike I was going to be run over riding...when? maybe 6 months later? A real hospital year, that one.

Mar 2, 2009

el arte del birlibirloque

Passei a tarde a arrumar os livros do meu pai.
E a noite na cozinha caiu-me uma noticia absurda, susto e alivio, que ainda nao tenho bem palavras para descrever mas quer-me parecer que va influenciar os equilibrios da minha vida um bom bocado.